terça-feira, 31 de outubro de 2017

Era mais um dia na praça

Já é quase noite, mas as luzes amarela-avermelhadas que clareiam a praça ainda não estão acessas. No banco um senhor, sentado, apenas contemplando. Um menino se aproxima.

Menino – Tio tem fogo?

Senhor Não fumo.

Menino Tem uma moeda?

Senhor – Não tenho.

Menino – Tem seda?

O senhor levanta e saca do bolso traseiro esquerdo um lenço de seda. Entrega para o menino que o olha sem entender.

Senhor – Pode ficar com ele. Logo estou voltando e tenho tantos outros guardados.

O menino segura o lenço. Continua sem entender. O senhor senta novamente, respira fundo e assovia. Confuso olha para um lado, para outro e pergunta para o menino que ainda está parado na sua frente, olhando para o lenço tentando entender.

Senhor – Você sabe se aqui tem algum ponto de encontro para cachorros perdidos?

O menino olha ainda mais confuso para o senhor.

Menino – O que?

Senhor – Hoje é a primeira vez que trago o Arte para passear. Receio que ele esteja perdido, pois nunca tinha caminhado por um cachorródromo. É a primeira vez que vejo um aqui na praça.

Menino – É a primeira vez que você vem na praça?

O senhor ri.

Senhor – Não, não... Eu já estive aqui várias vezes, mas toda vez que retorno a praça está completamente diferente então é como se fosse a primeira vez.

Menino – O senhor veio pela primeira vez na praça e deixou seu cachorro passear sozinho por um lugar que nem você conhece?

Senhor – Arte é um cachorro muito sagaz. Ele sempre reaparece, de uma forma ou de outra, sempre volta. Só não queria sair daqui porque quando eu voltar a praça já pode ser outra.

O menino com o lenço de seda na mão tem a cara cada vez mais confusa. Olha para o senhor e fala.

Menino – Meu, que viagem...

Senhor – Ah! Já ia me esquecendo... Você sabe por que o Arte chama Arte? Porque quando ele late parece que está gritando: Arte! Arte! Arte!

O menino não consegue segurar a gargalhada.

Menino – O senhor é muito louco...

Senhor – Pode me fazer um favor? Quando você encontrar o Arte diga que já voltei. Ele vai saber como me encontrar. É só você deixar ele farejar o lenço e saberá onde estou.

O menino ainda gargalha. O senhor saca um puncake do bolso da camisa e começa a usar. Em cada parte que ele passa ele desaparece. O menino se espanta e curioso se aproxima. Aos poucos só resta a boca do senhor que fala para o menino.

Senhor – Um dia você vai entender.

O Senhor some. O menino em choque se vira assim que o senhor se desfaz. A primeira coisa que ele vê é um grande cão grafitado na rampa que um skatista acabou de cair. Correndo em direção ao cão o menino coloca o lenço no focinho do cachorro que late: Arte! O sino da igreja toca 25 vezes.

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