Já é quase noite, mas as
luzes amarela-avermelhadas que clareiam a praça ainda não estão acessas. No banco um senhor, sentado,
apenas contemplando. Um menino se aproxima.
Menino – Tio tem fogo?
Senhor –
Não fumo.
Menino –
Tem uma moeda?
Senhor – Não tenho.
Menino – Tem seda?
O senhor levanta e saca do bolso
traseiro esquerdo um lenço de seda. Entrega para o menino que o olha sem
entender.
Senhor – Pode ficar com ele. Logo estou
voltando e tenho tantos outros guardados.
O menino segura o lenço.
Continua sem entender. O senhor senta novamente, respira
fundo e assovia. Confuso olha para um lado, para outro
e pergunta para o menino que ainda está parado na sua frente, olhando para o
lenço tentando entender.
Senhor – Você sabe se aqui tem algum
ponto de encontro para cachorros perdidos?
O menino olha ainda mais confuso para
o senhor.
Menino – O que?
Senhor – Hoje é a primeira vez que trago o
Arte para passear. Receio que ele esteja perdido, pois nunca tinha caminhado
por um cachorródromo. É a primeira vez que vejo um aqui na praça.
Menino – É a primeira vez que você vem na
praça?
O senhor ri.
Senhor – Não, não... Eu já estive aqui várias
vezes, mas toda vez que retorno a praça está completamente diferente então é
como se fosse a primeira vez.
Menino – O senhor veio pela primeira vez na
praça e deixou seu cachorro passear sozinho por um lugar que nem você conhece?
Senhor – Arte é um cachorro muito sagaz. Ele
sempre reaparece, de uma forma ou de outra, sempre volta. Só não queria sair
daqui porque quando eu voltar a praça já pode ser outra.
O menino com o lenço de seda na mão
tem a cara cada vez mais confusa. Olha para o senhor e fala.
Menino – Meu, que viagem...
Senhor – Ah! Já ia me esquecendo... Você sabe
por que o Arte chama Arte? Porque quando ele late parece que está gritando:
Arte! Arte! Arte!
O menino não consegue segurar a
gargalhada.
Menino – O senhor é muito louco...
Senhor – Pode me fazer um favor? Quando você
encontrar o Arte diga que já voltei. Ele vai saber como me encontrar. É só você
deixar ele farejar o lenço e saberá onde estou.
O menino ainda gargalha. O senhor saca um puncake do bolso da
camisa e começa a usar. Em cada parte que ele passa ele desaparece.
O menino se espanta e curioso se aproxima. Aos poucos só resta a boca do senhor
que fala para o menino.
Senhor – Um dia você vai entender.
O Senhor some. O menino em choque se vira assim que o
senhor se desfaz. A primeira coisa que ele vê é um grande cão grafitado na
rampa que um skatista acabou de cair. Correndo em direção ao cão o menino
coloca o lenço no focinho do cachorro que late: Arte! O sino da igreja toca 25 vezes.
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