sexta-feira, 31 de março de 2017

Quando existiam as cartas

Eu sei que ainda não tivemos a oportunidade de nos conhecer e já temos uma relação tão próxima que sou capaz de sentir seu cheiro e me colocar dentro do seu abraço. Nossas confidencias são tão reais que consigo ouvir sua voz me contando o que estou lendo. Eu sei até o momento que você faz as pausas e fica pensando... (como está agora, agora você está sorrindo). Tenho tanto para te contar que com palavras não sei dizer, sim! Estou parafraseando Roberto, que você tanto gosta. Agora falando sério, eu tenho algo muito importante para contar. Eu decidi ser mãe. Estou com muito medo dos desdobramentos dessa decisão. Eu acredito que já tenho idade suficiente mas fico assustada quando leio coisas sobre “o aprender ser mãe” apenas depois de ser mãe. Talvez seja algo muito particular, uma incerteza que logo passa, mas eu tenho medo da sociedade que vivemos, das intolerâncias, da violência que a criança pode sofrer por conta do que eu sou. Não tenho receio algum do apoio da minha família, sempre estiverem do meu lado, e continuarão. Mas e os outros? Eu gostaria de entender tudo isso que borbulha em mim. Eu queria acordar e ver aquela coisa fofa dormindo no berço e durante a noite chorar para que eu logo dê de comer. E se eu não der de comer? E se eu me cansar da criança? Será que posso devolver? Gostaria de vê-la crescendo, e nessa fase me reconhecer nela. Ver o meu nariz, meu cabelo, meus trejeitos, e até minha personalidade. E se eu não me reconhecer nela? Biologicamente é impossível apenas uma pessoa gerar uma criança, mas o futuro está logo ali, não é? Eu não vou esperar o futuro. Eu já decidi que serei mãe. Eu já decidi até o nome. Vai ser um nome indígena e vou contar em primeira mão para você. Então se prepare! O nome será Aruã. Isso mesmo, Aruã. Um nome que serve para meninos e meninas e significa sentinela. Essa criança será o/a sentinela do futuro, um futuro que ela viverá, eu não. Ele ou ela será o início do tempo feliz. Do novo. Eu até comecei a costurar um boneco para Aruã. Esse boneco será o seu eterno patuá. Sua proteção. Eu acho aquela coisa de fazer sapatinho de crochê muito ultrapassado, por isso estou tecendo esse boneco que será muito significativo. Ele terá vários defeitos, pois estou costurando pela primeira vez. Estou usando um arco íris de cores de linhas, pois acredito na pluralidade das coisas. Ele terá um olho azul e outro rosa, para enxergar todas as possibilidades e no lugar do coração uma pena indígena que representa proteção e sabedoria. Essa pena eu ganhei dos meus pais antes de partirem para seu último trabalho. Depois disso nunca mais os vi, apenas senti. Decidi então dar como primeiro presente para meu filho um boneco que faz parte das últimas lembranças que tenho dos meus pais. De alguma forma é maneira que encontrei para a continuidade da nossa linhagem. Ah, já ia esquecendo, Aruã será seu afilhado/a. Um grande beijo meu e um até logo de Aruã que chegará em 7 meses.