quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Ode

Hoje eu acordei com uma vontade danada de não ter vontade nenhuma. Apenas estar. Nada mais que isso. Pegar tudo que eu tenho e despachar em uma trouxa de chita para um lugar bem longe. Não ter mais nada, não ser mais nada, não conviver com mais ninguém! Tal qual um avestruz enfiar minha cabeça na terra e nunca mais sair de lá, e quando sair poder entrar em um mar que seja só meu e saber que depois de mim ninguém mais banhar-se-á nele. Habitar um planeta que seja só meu, que esteja só eu. Ouvir o silêncio. Atingir o estágio pleno de ter um corpo vazio e uma mente limpa. Eu estou cansado do meu cansaço! Eu estou farto de coisa nenhuma, eu tenho rancor das pessoas que se afastaram de mim, das que permanecem e de mim próprio! Eu não tenho mais paciência para minha impaciência! Eu quero que todos os meus desejos, vontades e sonhos rumem para o inferno para servir de combustível para mais uma chama e esta transforme tudo em cinza, pois esse é o melhor destino para tudo isso! Eu quero sentir mais nada por ninguém, eu quero não mais sofrer por alguém, eu quero me desligar de tudo! Quero alimentar os ratos e dar pouso para as pestes! Nem isso eu consigo. Quero vegetar, não quero me alimentar, malditos cloroplastos faltantes. Eu estou frustrado com as minhas frustrações. Eu sei que um dia eu tive sonhos... Eu tive sonhos que foram todos destruídos pela realidade, eu amei quem não me amou, eu lutei por quem não se importou e tentei ser algo para alguns mas apenas obtive êxito em ser nada para todos. As minhas opiniões nunca valeram nada, apesar de certeiras. Se as pessoas me ouvissem tenho certeza que viveríamos em um mundo melhor, mas como não posso mudar as pessoas eu prefiro me abster de qualquer outra tentativa em vão, prefiro me trancar em meu casulo blindado de ohn. E dentro dele onde sou verdadeiramente eu sem nenhuma interferência posso meditar. Meus mantras me cobrem deste inverno rigoroso chamado vida. O dinheiro ajudar a aquecer este clima inóspito mas eu nunca o tive. Rogo auxílio as forças cósmicas sobrenaturais pois elas são muito mais humanas que qualquer ser terreno que eu tente estabelecer qualquer tipo de contato. Peço que me transformem em incenso para quando meu casulo eclodir eu emane minha essência rara e purifique o ambiente onde tanto sofri. Prefiro deixar o melhor de mim...

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Inumar

Abri os olhos. Já era dia mas meu corpo estava tão cansado como se estivesse acabado de deitar. Lentamente as ligações cerebrais foram retomando e fui percebendo o motivo de todo esse cansaço. A noite foi repleta de sonhos que me contavam a verdade cruel que eu não queria saber. A noite de sonhos terminará ali, mas a realidade continuaria para sempre. Toda essa história começou quando te encontrei. Eu não estava procurando por você, mas foi algo tão arrebatador que mesmo antes de saber como era, mesmo antes de ouvir sua voz, sentir seu cheiro e estar acalentado no seu abraço eu já gostava de ti. As conversas fluíam e nem via o tempo passar, cada vez mais me encantava contigo. Tudo foi rápido. Logo nos vimos e tentar transportar para palavras a sensação desse momento é algo complexo mas com a licença poética que me é concedida eu posso dizer que me senti como fogos de artifício. Era tão lindo, tão bom, tão sobrenatural estar contigo. Aquele mês de julho seria especial e seria também fugaz. Os dias que passaram e que passamos juntos eram como ouro e reluziam em meu sorriso, algo raro antes de você. Ainda me pego pensando em nós. Das nossas noites juntos, das nossas risadas, nossas viagens, brincadeiras que só a gente gargalhava delas... Infelizmente outra vez a complexidade da vida que não é minha companheira me prega mais essa peça e me deu de presente de aniversário sua ausência. Agora o tempo passou e levou com ele o que me fazia feliz: você. O que ele deixou não é muito perto de como te amei. Eu sempre deixei claro o que senti. Agora o desfeito está feito e não há como reaver. Talvez um pouco de egoísmo. Talvez por amar vejo e revejo o que sobrou, que são duas ou três fotos, as lembranças e o desejo de estar mais uma vez em seus braços. Sinto sua falta. Acendo um cigarro para queimar a saudade e o pensamento em você, em vão...

domingo, 3 de agosto de 2014

Nefelibata

Luz. Um cigarro. Som. Sonhos. Solidão. Eis que tudo fica mais humano quando aceitamos que a solidão pode ser nossa melhor companheira. Cores. O branco e o preto. O bem e o mal. Tudo saudavelmente liquidificado e processado gerando o mais puro creme visco. O mesmo visco que me nutre e me coroe. O mesmo elixir vital a minha vida e fundamental para me matar aos poucos. Estou lá e aqui. Gostaria de ser eles e eu. Consigo enxergar no escuro e mesmo assim evito a penumbra pois ela me revela coisas que minha consciência não compactua mas minha sensibilidade é plenamente convicta. Chove. Guarda-chuva para proteção. Desnecessário. Já estou na linha do risco. Na direção da navalha. Nariz, boca, e ouvido são os primeiros da lista. Bolinhas, escadas e avião. Seria ilusão? Doce. Sal. Pílulas. A visão está turva. Máscara de oxigênio. Tudo roda. Gira. Centrifuga de maneira sorrateira. Ouço o barulho de uma cachoeira. Cachecol ou caiaque? Galochas! Uso cordas como cadarço. Não estou louco nem mesmo passando pelo efeito de nenhum medicamento. Estou doente. Não estou doente. Preciso de atenção. Quero um abraço. Ela é minha única companhia. Ouvi seu miar, mas ela está tão longe. Deixem ela passar porque ela gosta de dormir comigo deitada em minha perna aconchegada sobre meu cobertor. Algo está quebrando. Vidraça. Vaso quando quebra não tem conserto. Eu quebrei. Logo não sou ruim. Alguém já me notou? O relógio não para, a fila anda. Frio. Alô! Alô! Alguém me ouve? Por que todos estão olhando o telefone? Por que eu estou sozinho? Por que tem tantas pessoas aqui? Estou carente. Sou carente. Tenho dor eu sinto amor, eu sou ator. Cuidado! Ainda estamos andando. O fim está próximo. Ache seu foco. Encontre seu objetivo. Fumaça. Acho que ainda é do cigarro. Multidão. Estou chegando. Vou passar pela porta. Ela está fechada. Ela se abre para cada um que passa. Como sair? Existe saída? Continuo a caminhar. Minha vez está cada vez mais próxima. Eu vou. Eu não tenho medo. Eu tenho dúvidas. Eu não vou sem saber. Cheio de sonhos e vontades. Eu estou passando pela porta...

sábado, 5 de julho de 2014

Fóvea

Gostaria que alguém me ouvisse quando eu chorando grito, rogo e imploro: Abduza-me! Leve-me para o desconhecido. Se puder ser de forma inesperada e sagaz seria perfeito. Quero ir sem ter que olhar o que deixei pois sei que é tudo insignificante. Estou aqui nesse momento transformado e reduzido a isso com apenas uma certeza que floriu e me usando como exemplo afirma: nossas piores batalhas são contra nós mesmos. E nessas mesmas batalhas enfadonhas fui sendo golpeado por meus algozes que não passam de meu próprio eu, e eles maquiavelicamente foram levando meus membros, meu biológico, meu mental, até atingir o antro áureo de mim e de lá subtrair o que era o mais íntimo eu, o que mais brilhava e me fazia tanger as palavras de uma poesia, voar como uma pena e viver: meus sentimentos. Agora sou apenas isso. Um amontoado de nada. Inexistente. Vazio. Não sei o que me compõe. Oco. Não sou mais capaz de sentir. Silêncio. Não sinto mais a vibração das notas. Amorfo. Não me vejo como algo descritivo. Assim como estou o melhor é simplesmente partir. Será o melhor para mim. Quem sabe lá não seja possível o recomeço. Quem sabe lá eu não possa cuidar de mim, ser acompanhado, cuidado e renascer. Eu não tenho medo de partir. Tenho medo de permanecer. Medo esse que instalado está por conta das lembranças que nunca foram arrolhadas. Aqueles cabelos vermelhos, aqueles sorriso, aquele nariz... Aquele sentimento que era meu e precisaria ser seu mas nunca foi. Aquele amor que estava em mim pronto para ser dividido mas você não quis acolhe-lo. Aquele sonho que eu tinha. Aquela vontade que era minha. E só minha. E aquele maldito dom de pressentir as coisas e que me dizia que eu era um louco. E mais uma vez minhas sensações. Meu lado sensitivo sempre esteve certo. Era um sonho, era o fim que havia sido soprado. Acreditei mais uma vez que poderia. E poderia. A escolha era sua. E não pude. Não posso. Agora apenas olho para a foto de seus cabelos azuis que contornam sua testa e aconchegam-se atrás das suas orelhas que estão logo acima dos seus ombros que foram lugares que um dia sonhei poder descascar minha cabeça pesada de pensar em ti. Aquele seu olhar que está perdido em algum lugar logo acima do firmamento me deixa encantado. Eu sei que há situações imutáveis no que me resta de tempo. Eu sei que talvez o melhor fim seja me desfazer de tudo isso, mas eu também sei que existem lugares que não voltarei novamente nesta vida, lugares como Macau, Meca e seu abraço. E tem ainda os lugares que nunca estarei como a lua, Saturno e em seu coração. Por favor, deixe a vela apagar... Eu preciso ouvir o final que quero escrever...

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Flor

Era cotidiano. Uma chata rotina que dia após dia se repetia, se renovava tal qual uma flor das onze que se abre na esperança de neste novo dia que raia permanecer esplendorosa como a mais exótica orquídea que anseia o despertar. Era apenas desejo. A flor das onze, pequena e insignificante, nunca será uma orquídea, nunca será esperada e admirada pois, pequena e sem beleza apenas suporta o peso de um dia. Assim eram meus dias, um peso. Um desejo desumano de algo diferente, de conseguir brotar uma pétala que seja digna de algum olhar admirado, deixar de ser apenas aquela relva rala que se alastra pelo chão, sem importância, sem trato. Tudo era sempre igual. A vontade, o começo do dia, o passar do dia, a tarde, a noite, a vontade, o dia... Sempre nesta ordem. Foi quando em um certo amanhecer notei algo novo naquele ambiente, o jardineiro, que instantaneamente passei a chamar de meu. Depois disso meus dias mudaram. Esperanças brotaram em mim, invisíveis aos demais, mas em mim era a diferença que eu precisava. Neste período nunca me esforcei tanto para crescer, para absorver todos os nutrientes que a terra me fornecia e de forma quase bandida roubar um pouco dos fertilizantes que eram jogados as plantas mais elitizadas, queria crescer, quase desesperadamente fazer minhas folhas, por mais pequenas que fossem dobrarem seu tamanho, tornarem-se visíveis, ter importância e mais do que tudo, ser notada por ele. Era uma força que causava dor, sobretudo pela minha irrelevância que era cada vez mais incomoda. Toda essa força de vontade era por ele, era um desejo diferente, não pensava mais em mim, toda minha forma era trabalhada para que ele me percebesse. Eu não desistia. Observava-o todo o dia, toda sua rotina de trabalho, e depois de algum tempo eu me sentia já crescida, apesar de ser inverno e uma época não propícia ao desenvolvimento vegetal foi o período da minha vida que mais cresci. Confesso que sentia inveja das rosas, dos jasmins, das hortênsias e de outras plantas com patamares mais elevados pois diariamente ele as tocava, aquelas mãos eram mágicas, imaginava o dia que elas me tocariam, tal como fazia com as rosas, quase uma coreografia de trato, era carinho. Eu nunca senti isso. O que mais próximo a isso sentia era quando ele passava por mim e a corrente de ar que ele criava tocava em mim... Indescritível. Continuava crescendo e o inverno intensificando. Algumas vezes cheguei a pensar que não resistiria pois quanto mais rigoroso o clima ficava eu gastava mais energia para sustentar a vida nas minhas folhas que agora estavam com um tamanho que nunca antes havia conseguido. Resisti. O inverno chegaria ao fim. E quando a primavera chegasse seria o meu momento, seria quando ele me notaria e me tocaria como em meus sonhos, e pela primeira vez na vida meus desejos seriam fatos. O prazo estava findando e estava ansiosa para a época das flores e do meu sonho realizar-se. Contudo percebia que algo estava diferente, imaginava que seria o clima mudando ou quem sabe meu tamanho tão grande. Não via o meu jardineiro a tempos. Mas apesar dele nunca ter me olhado eu confiava nele, esperaria por ele. E ele voltou. Mais lindo que antes, seu sorriso emanava notas musicais que eram acompanhadas pelo piar dos pássaros que voltavam. Aquele dia foi tão lindo, observei-o durante horas até o entardecer, quando a noite caiu eu também cai no sono e não percebi quando ele foi embora. No outro dia acordei com alguns barulhos estranhos. Era mais cedo que o habitual, meu tamanho demandava mais horas de sono para acumular mais energia para conseguir sustentar meu tamanho. Ao despertar vi meu jardineiro vestindo algo diferente, era como um cavaleiro medieval, todo coberto dos pés a cabeça e na mão tal como uma espada de fina lâmina, ele empunhava uma enxada cunhada com finos ferros e aço. Fiquei assustada com sua brutal força. Ele fincava sua lâmina no solo e tirava punhados de terra, nessa terra toda relva era aniquilada, o solo estava sendo preparado para o novo plantio, para as novas plantas e a boa saúde das que já estavam plantadas. Foi aí que percebi que não era uma flor, era apenas uma erva daninha e ele não me notava pois as plantas eram seu trabalho, eu apenas estava esperando minha hora, minha morte. Tudo que fiz, toda luta para me tornar uma flor melhor foi minha sentença, meu epitáfio. Só me tornei algo que trará mais trabalho a ele e com o fim do inverno com o desenvolvimento das flores e a chegada da primavera eu preciso ser exterminada. Eu inocentemente criei expectativas falsas de me tornar uma flor e por ele ser cuidada, fui tola, apenas desenvolvi sentimento por alguém que jamais me cuidará, me apaixonei por meu carrasco, eu amei meu algoz. Ele se aproxima a cada vez mais de mim, vejo todo o trabalho de arrancar as pragas que o solo sustenta e eu era uma dessas, a poucos centímetros de mim imaginei quando tive aquele sonho de algum dia ser tocado por ele, como as jasmins eram, e antes que pudesse pensar qualquer outra coisa fui surrada pela enxada. Ele era tão rápido, ele era tão preciso que não sofri, quando me dei conta já estava dividida em duas, sentia ele cavoucar as minhas mais profundas raízes, talvez todo meu projeto de crescer e me tornar uma bela flor tenha trazido alguma dificuldade para ele me exterminar, talvez por isso também ele tenha perdido mais tempo comigo e permanecido mais tempo ao meu lado. E ele venceu. Agora estou destroçada jogada ao solo secando como uma digna erva que atrasa o cultivo. Mas eu estou feliz. Pois como em meus sonhos ele me tocou, ainda agonizava enquanto ele destruía minhas raízes e folhas e como por piedade do acaso uma parte de mim caiu sobre seus pés, e ele, como um lorde abaixou-se e com aquelas mãos mágicas pegou aquele pedaço de mim e carinhosamente me colocou no chão. E assim os meu sonho foi realizado. Senti seu toque. Mesmo que agora esteja secando, estou feliz. Morro como uma praga mas sinto que sou um pouco mais rosa que muitas daquelas que lá permanecem...

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Nada

Solidão é nada. É um buraco latente crescente descontrolado bem no meio do peito. É ter a sensação de queda livre eterna. É estar despedaçado e ainda assim ter de resistir, ter de fica em pé, impassível, imperturbável. Uma sensação tão sua quanto o ar que você respira e é este o combustível para que cada vez mais as pessoas não te notem. Silêncio. Ele te perturba. Sono. Insônia. Você acorda. Você acredita sempre ao acordar que aquele olhar que cruzará o seu enquanto andar sem ser notado pela calçada em meio a multidão será o seu antígeno capaz de livrar-te de todo esse ranço, todo esse peso quase cármico que te aflige. Você acreditava. Agora você não crê em mais nada. Os dias são longos e as noites ainda mais longas. O telefone não toca, cartas não chegam e nem as orações que outrora emanavam até você cessaram. Nem mesmo sua própria companhia está ao seu lado. Sua identidade partiu. Seus sonhos provavelmente estejam perdidos em algum lugar inalcançável no fundo da memória pois você não mais lembra deles, você não tem vontade de procurar por eles. O que resta são alguns livros na estante, eles ainda são um fugaz caminho para um raro momento de distração. Mas eles também te abandonam sempre após o fim. Assim você segue nesse caminho de ausências, de faltas, do esquecimento do seu eu, dos outros... E então você apenas aceita sua posição e entende que solidão é nada.

domingo, 6 de abril de 2014

Eles

Seres super humanos conversam comigo. Não sei se posso de fato chamá-los assim de seres pois seria um pecado qualquer comparação biológica e uma afronta de minha parte, todavia estou aprendendo. São entidades, espíritos, energia, ou qualquer outra coisa que cada um os denomine. O que de fato importa é que estão a me acompanhar. Estão a se comunicar e cada vez com maior freqüência. Começou de forma estranha, de forma confusa. Era como se minha mente falasse por si só, trouxesse informações que não eram minhas. A mentalidade da comunicação era incomoda. Mas era o começo, era necessário e era somente dessa forma que seria possível como de fato está sendo. Acredito que devido a minha limitação, por ora, a comunicação é unilateral, mas tenho absorvido cada detalhe, tenho ouvido os conselhos, dos mais variados aspectos que eles me mostram, como sobre a humanidade, a biologia, a tecnologia, o existencialismo, a espiritualidade tão necessária e o memento que vivemos. Quanto mais sei mais tenho dúvidas e mais quero saber, mas sei que é aos poucos que as coisas funcionam. Tenho tantas incertezas que me fazem pensar, e pensando algumas conclusões simplórias são decretadas. Sendo uma das mais básicas: Eles estão entre nós. Indiscutível. Inquestionável. Eu gostaria de dividir com outros mas são poucos os que conseguem ter a mente limpa para tal. É como se vivêssemos em um aquário imersos em tintas das mais variadas tonalidades, texturas e outras ainda invisíveis. E somente aqueles que ao serem fisgados conseguirem manter o corpo alvo como o mais simples sentimento da pureza terão os conhecimentos. É preciso alcançar a limpeza mental, tal qual uma tela em branco para só assim ser colorida desses novos conhecimentos inebriantes. Contudo ainda somos poucos. Os outros são mais, em números. Todavia a mudança está próxima, a data está chegando. O tempo tem passado e os pontos cada vez mais ligados e interligados de forma tão clara e sutil que poucos percebem. Muitas mudanças ainda estão por vir, muitas coisas ainda serão entendidas e muitos não estarão nesta escala de entendimento, mas deverão entender, será inegociável. Pense nisso. Já somos variados, já estão entre nós. Permita-se evoluir. Olhe ao seu redor, a proximidade é física, o esclarecimento opcional. Atente-se ao que você vê mas não enxerga. Em breve nossa limitada esfera azul será múltipla.

domingo, 30 de março de 2014

Convicção

Agora o que nos une é a distância. Percorremos todo esse caminho em rumos opostos estando um ao lado do outro. Mesmo que pensássemos em algo comum foi a nossa individualidade que nos tornou tão dicotômicos. Enquanto eu vislumbrava o sim você era a personificação do não. E dessa forma andamos, e fomos nos distanciando e sonhando e conhecendo novos lugares, pessoas... Sonhos! Eles me contavam que as diferenças eram apenas uma questão de desejo e os desejos eram suplantados pelo companheirismo e o companheirismo era conquistado pelo tempo e o tempo é o pior dos inimigos de uma relação quando existe a distância física. Éramos o ambiente perfeito. Eu acreditava que poderia vencer tudo que as teorias afirmavam pois via-me como uma pessoa forte, um ponto focal capaz de emanar toda a ajuda que demandasse, tal como uma pitonisa, aconselhar, orientar, mostrar a capacidade de ser algo indecifrável e potente a ponto se ser admirado. Sim eu sonhava. Sim eu estava errado. E sim eu fracassei. Precisei me aceitar e entender o que para você era algo absoluto. A minha pequenez era abominável. Minha evolução espiritual era terrível, algo perto do insignificante. Me aceitei. Abri mão de sonhos e passei viver da realidade que me trouxe a solidão que me trouxe a aceitação que me trouxe o entendimento que me mostrou o meu caminho solitário a seguir, mesmo que lá no passado estivéssemos caminhando lado a lado. Sigo. Até onde eu não sei, até quando eu não sei, mas sigo. Sei que o passado foi brilhante, éramos muito próximos, tínhamos talvez algum sentimento que nos sustentava mas a distância e o tempo destroem todos os vínculos. Hoje talvez você esteja melhor do que eu estou, talvez, pois não sei mais quem você é, no fundo talvez você nem se lembre mim, pois é o fluxo natural, excluir os arquivos mortos da memória. Seguimos nossos rumos, apesar de todos os contratempo e a profunda ferida que ainda pulsa no meio coração. E acho que sempre pulsará.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Para uma avenca partindo - Caio Fernando Abreu

Olha, antes do ônibus partir eu tenho uma porção de coisas pra te dizer... Dessas coisas que não se dizem costumeiramente, sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende? Olha, falta pouco tempo, e se eu não te disser agora talvez não diga nunca mais... Porque tanto eu como você sentiremos uma falta enorme de todas essas coisas, e se elas não chegarem a ser ditas nem eu nem você nos sentiremos satisfeitos com tudo que existimos, porque elas não foram existidas completamente, entende, porque as vivemos apenas naquela dimensão em que é permitido viver... Não, não é isso que eu quero dizer, não existe uma dimensão permitida e uma outra proibida, indevassável, não me entenda mal, mas é que a gente tem tanto medo de penetrar naquilo que não sabe se terá coragem de viver, no mais fundo, eu quero dizer, é isso mesmo, você está acompanhando o meu raciocínio? Falava do mais fundo, desse que existe em você, em mim, em todos esses outros com suas malas, suas bolsas, suas maçãs... Não, não sei por que todo mundo compra maçãs antes de viajar, nunca tinha pensando nisso, por favor, não me interrompa, esse maldito vício de comprar uma maça toda noite antes de voltar pra casa me incomoda, realmente não sei. Existem coisas que a gente ainda não pensou, que a gente talvez nunca pense, eu, por exemplo, nunca pensei que houvesse alguma coisa a dizer além de tudo o que já foi dito, ou melhor, pensei sim, não, pensar propriamente não, mas eu sabia que havia uma outra coisa atrás e além de nossas mãos dadas, dos nossos corpos nus, eu dentro de você, e mesmo atrás dos silêncios, aqueles silêncios saciados, quando a gente descobria alguma coisa pequena para observar, um fio de luz coado pela janela, um latido de cão no meio da noite, você sabe que eu não falaria dessas coisas se não tivesse a certeza de que você sentia o mesmo que eu a respeito dos fios de luz, dos latidos de cães, é, eu não falaria. Você lembra uma vez quando disse que a nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viver as superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, de não sentir medo desse mais fundo. Você riu... Porque eu dizia que não era cantando desvairadamente até ficar rouca que você ia conseguir saber alguma coisa a respeito de si própria, mas sabe, você tinha razão em rir daquele jeito porque eu também não tinha me dado conta de que enquanto ia dizendo aquelas coisas eu também cantava desvairadamente até ficar rouco. O que quero dizer é que nós dois cantamos desvairadamente até agora sem nos darmos conta, é por isso que estou tão rouco assim, não, não é dessa coisa da garganta que falo, é de uma outra, de dentro, entende? Por favor, não ria dessa maneira nem fique consultando o relógio o tempo todo, não é preciso. Deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeito, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver nascer uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca... Talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente... Você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço, claro, claro que eu compro uma revista pra você, eu sei, é bom ler durante a viagem, embora eu prefira ficar olhando pela janela e pensando coisas, estas mesmas coisas que estou tentando dizer a você sem conseguir! Por favor! Ajuda-me... Senão vai ser muito tarde, daqui a pouco não vai ser mais possível, e se eu não disser tudo não poderei nem dizer nem fazer mais nada, é preciso que a gente tente de todas as maneiras! É o que estou fazendo, sim, esta é minha última tentativa. Olha, é bom você pegar sua passagem, porque você sempre perde tudo nessa sua bolsa, não sei como é que você consegue, é bom você ficar com ela na mão para evitar qualquer atraso, sim, é bom evitar os atrasos! Mas agora escuta: eu queria te dizer uma porção de coisas, de uma porção de noites, ou tardes, ou manhãs, não importa a cor, é, a cor, o tempo é só uma questão de cor, não é? Eu queria era te dizer dessas vezes em que eu te deixava e depois saía sozinho, pensando numa porção de coisas que queria te dizer depois, pensando também nas coisas que eu não ia te dizer, porque existem coisas terríveis que precisam ser ditas... Não faça essa cara de espanto, elas são realmente terríveis, eu me perguntava se você era capaz de ouvir, se você teria, não sei, disponibilidade suficiente para ouvir, sim, era preciso estar disponível para ouvi-las, disponível em relação a quê? Não sei, não me interrompa agora que estou quase conseguindo! Disponível, não é uma palavra bonita? Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? Dolorido-colorido, estou repetindo devagar para que você possa compreender melhor... Claro que dou um cigarro pra você, não, ainda não, faltam uns cinco minutos, eu sei que não devia fumar tanto, é, eu sei que os meus dentes estão ficando escuros, e essa tosse intolerável, você acha mesmo a minha tosse intolerável? Eu estava dizendo, o que é mesmo que eu estava dizendo? Ah: sabe, entre duas pessoas essas coisas sempre devem ser ditas. O fato de você achar minha tosse intolerável, por exemplo, eu poderia me aprofundar nisso e concluir que você não gosta de mim o suficiente, porque se você gostasse, gostaria também da minha tosse, dos meus dentes escuros, mas não aprofundando não concluo nada, fico só querendo te dizer de como eu te esperava quando a gente marcava qualquer coisa, de como eu olhava o relógio e andava de lá pra cá sem pensar definidamente em nada. Mas não, não é isso, eu ainda queria chegar mais perto daquilo que está lá no centro e que um dia desses eu descobri existindo, porque eu nem supunha que existisse, acho que foi o fato de você partir que me fez descobrir tantas coisas. Espera um pouco, eu vou te dizer todas essas coisas, é por isso que estou falando, fecha a revista, por favor, olha, se você não prestar atenção você não vai conseguir entender nada... Sei, sei, eu também gosto muito do Peter Fonda, mas isso agora não tem nenhuma importância, é fundamental que você escute todas as palavras, todas, e não fique tentando descobrir sentidos ocultos por trás do que estou dizendo. Sim, eu reconheço que muitas vezes falei por metáforas, e que é chatíssimo falar por metáforas, pelo menos para quem ouve, e depois, você sabe, eu sempre tive essa preocupação idiota de dizer apenas coisas que não ferissem. Está bem, eu espero aqui do lado da janela, é melhor mesmo. Continuamos conversando enquanto o ônibus não sai, espera, a maçã fica comigo, é muito importante, vou dizer tudo numa só frase, você vai... Sim, sei, eu vou escrever, não, eu não vou escrever, mas é bom você botar um casaco, está esfriando tanto, olha, antes do ônibus partir eu quero te dizer uma porção de coisas, será que vai dar tempo? Escuta, não fecha a janela, (correndo para abrir a janela) está tudo definido aqui dentro, é só uma coisa, espera um pouco mais, depois você arruma as malas e as bolsas, fica tranquila, esse velho não vai incomodar você, olha, eu ainda não disse tudo, e a culpa é única e exclusivamente sua, por que você fica sempre me interrompendo e me fazendo suspeitar que você não passa mesmo duma simples avenca! Eu preciso de muito silêncio e de muita concentração para dizer todas as coisas que eu tinha pra te dizer... Olha, antes de você ir embora eu quero te dizer quê...

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014