Quando você passa por
um longo e na maioria das vezes tenebroso inverno, passa a ver a vida de uma
forma diferente. Passa a sentir, a entender e a pensar de uma maneira ainda não
tangida por sua própria imaginação, a mais insana que poderia vislumbrar. Mas
agora, depois dos ferimentos do frio, a realidade. Tenho certeza que ainda era
verão. Eu sempre passava por aquele mesmo campo cheio de flores silvestres que
insistiam em colorir como pixels dos mais variados tons, a imensa relva verde,
ora muito escura, ora clara, sendo transformada pelos incidentes raios do sol.
Era uma imagem marcante que terminava quando as madeiras começavam a brotar no
solo. A ponte. Tão linda. Era parte de mim, insubstituível, um porto de tranquilidade
que me fazia caminhar sobre as incertas águas turbulentas do rio límpido que
era o senhor absoluto no fim do desfiladeiro. Ela, a minha louvada ponte, era
minha companheira, contudo o inverno foi chegando. A temperatura diminuindo em
progressão geométrica. Fui percebendo que suas bases estavam sofrendo, suas
madeiras rangiam, suas cordas estalavam e sua estabilidade não era a mesma. Eu
temia. Intimamente sabia o que esperar no fim, mas nunca deixei de acreditar, trabalhávamos
juntos, eu por ela, assim como ela por nós. Mas fui me distanciando. O frio
desumano feria minha pele, e ela, estática, só me cobrava reparos que minha
limitação humana impedia de oferecer. Dessa forma o inferno gélido chegou. Não
poderia agora resistir as intempéries naturais. Parti. Certo de meu destino
deixei a ponte. O relógio não parou. O tempo passou. O inverno findou. O
tenebroso rei gelo agora não tinha forças, mas deixou suas marcas, como
anualmente fazia. Quando voltei a meu lar, a minha ponte não estava mais lá,
como previa. Ela não me entendeu. Não reconheceu minhas limitações, minhas
necessidades, minha raça e me deixou. Lá estava a relva queimada pelo gelo,
meus pixels coloridos ressurgiam, mais ainda não passavam de pontos
monocromáticos estampados no campo. Tudo estava igual dentro das modificações.
Menos minha ponte. Seu lugar ainda está lá, sempre estará. Guardo as fotos de
nossos momentos inesquecíveis e o mais importante, minhas lembranças, pois o
que fizemos juntos jamais deixará de existir. Não tenho dúvidas que seguiremos
nossas vidas e nossos caminhos, talvez o meu um pouco mais complicado sem você,
mas não tenho medo das dificuldades. E se um dia puder-me entender pode voltar,
é só me chamar, o seu lugar estará guardando.