quinta-feira, 31 de março de 2011

Mortificação

Fui uma pessoa feliz. Não há como dizer o contrário. Senti o prazer de poder descrever o indescritível. Esse fluxo que atinge cada parte de seu corpo e te transforma, te motiva, te engrandece, te eleva. A alegria passou por mim. Já me senti tocado por ela e confesso não ter sido apenas uma vez. Hoje percebo que a felicidade é como um cavalo de fino sangue que passa selado por nós uma vez na vida e quem tem a astúcia de montá-lo pode entender o prazer de galopá-lo, o frescor da brisa que toca nosso rosto e desfaz o cabelo. Posso dizer que fui um ser de sorte pois esse garanhão passou por mim em duas ocasiões e pude domá-lo, por um tempo, ambas as vezes. O problema dele é ser por demais arredio e nos surpreender. Por incompetência acabei caindo em um pântano de angústias, incertezas, abandono, sofrimento, dor e solidão. O meu cavalo se foi. Eu fiquei, abandonado e sujo por esse engodo que hoje não consigo limpar de mim. Agora estou tão longe de casa. Não sei o caminho de volta. Abandonado, talvez esquecido em um mundo só meu. Chorei e choro tanto que minhas lágrimas secaram. Elas não escorrem pelo meu rosto para limpar um pouco do barro ou matar minha sede. Também por isso já não tenho mais motivos para sorrir pois a única consequência que ele me trás é marcar ainda mais meu rosto sujo com novas rugas que insistem em brotar. Assim o que me consola é o tempo, pois ele diferente de meus cavalos é totalmente indomado e passa inescrupuloso por mim. Ele me mostra um passado alentador e pela frente uma certeza, o fim. Só desejo que essa época não tarde a chegar e quando estiver em tempo que meus demônios angelicais alados cheguem em formosos cavalos com pelos sedosos e crinas lisas esvoaçantes para que antes de ser jogado no abismo da eternidade eu possa sentir pela última vez o prazer de um galopar como outrora tive em uma época feliz.